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Definhamento, esgotamento e demissão silenciosa: as batalhas são reais

7 min de leitura

Elas são as expressões do momento: languishing (definhamento), burnout (esgotamento) e quiet quitting (demissão silenciosa). Para alguns não passam de expressões hype, para outros são desafios reais. Seja como for, o fato de todo mundo estar falando sobre isso já mostra que há muito a ser feito, pois são batalhas reais diante das complexidades do mundo atual.

O definhamento (languishing) é a sensação de apatia que, em sua essência, é um estado emocional que se define pelo vazio. O termo foi cunhado pelo sociólogo e psicólogo americano Corey Keyes, e descrito por Adam Grant no The New York Times.

Por sua vez, a falta de equilíbrio entre trabalho e as múltiplas esferas da vida tem levado ao esgotamento profissional (Síndrome de Burnout). E é justamente o excesso de trabalho a principal causa da doença, conforme já definido pela Organização Mundial de Saúde.

Lá em meados de 2015, alguns colegas não entendiam por que eu desinstalei o WhatsApp por mais de um ano. E até hoje ele é mais uma “caixa postal” para comunicação rápida e objetiva.

O fato é que eu já sentia (e alertava) os efeitos de uma rotina alucinante de workaholic dentro e fora do escritório. Atendimentos simultâneos, pilhas de e-mails a serem lidos (a maioria para cair no funil de alguma campanha de marketing), reuniões corporativas e cafés que podiam ter sido evitados com videochamadas, demandas da equipe interna, assuntos a serem resolvidos na rua, questões familiares, assuntos pessoais… e a lista não parou de crescer.

Aí veio a pandemia em 2019, a maioria finalmente entendeu o remote first (“trabalho remoto primeiro”) e as narrativas sobre transformação digital fizeram mais sentido para quem adiou as adaptações inevitáveis. O que não se percebia na época revelou-se como uma realidade presente: trabalhar das 9h às 17h é um modelo obsoleto. E nessa conta deixei propositalmente de fora as duas horas quase inúteis em que, antes das 9h, buscávamos “entrar no ritmo” e, após as 17h, corpo e pensamentos já tinham passado pela ruptura.

A tal da demissão silenciosa

Estamos em 2022, e a busca pelo equilíbrio nas múltiplas esferas da vida vem de todos os lados. Tornou-se uma questão vital para a saúde, em todos os aspectos. A força de trabalho perde motivação e produtividade; ganha doenças cardíacas, pressão arterial, diabetes e outros transtornos de saúde. Ou seja, estado constante de estresse não faz bem para nenhuma pessoa ou negócio.

Enquanto o movimento The Great Resignation fez funcionários se demitirem em massa de seus empregos, a demissão silenciosa (quiet quitting) mantém a massa de trabalhadores na inércia, para continuar desafiando profissionais e lideranças do futuro — hoje, bem agora, na cadeira ou na tela à nossa frente.

Ao pé da letra? Desistência silenciosa. Na prática, alguns empregados ficam esperando o tempo passar e outros defendem “fazer o mínimo” do trabalho — exatamente apenas o que são pagos para fazer. Sabe aquela historinha de que a cabeça vai na frente e seis meses depois o corpo se demite? Pois bem, é praticamente isso.

Mas isso não é de hoje. No movimento de contracultura dos anos 60, os boomers eram considerados hippies preguiçosos. Nos anos 90, a geração X também foi rotulada como “preguiçosa”. Recentemente, em meio à pandemia de Covid-19, o cyberloafing inflamou ainda mais a história.

Enquanto isso, a comunidade Antiwork no Reddit segue firme na doutrinação ideologia com mais de 2,3 milhões de adeptos. Eles se declaram como “aqueles que querem acabar com o trabalho, estão curiosos para terminar o trabalho, querem tirar o máximo proveito de uma vida sem trabalho, querem mais informações sobre ideias antiwork e querem ajuda com seus próprios empregos [e] lutas relacionadas ao trabalho”.

Até confesso que já usei em minhas palestras o famoso jargão do Seu Madruga: “não existe trabalho ruim porque ruim é ter que trabalhar”. Mas isso tem mais a ver com a “essência humana do castigo divino” do que com todas essas narrativas contemporâneas. Até porque ninguém sobrevive sem uma fonte de renda. Não se trata somente de pagar contas, mas de propósito (ou, lamentavelmente, a falta dele).

Batalhas reais, vitórias também

É provável que ainda falaremos muito sobre definhamento, esgotamento e demissão silenciosa. Até porque o diálogo é relevante e as escolhas inevitáveis. Como diz o professor Luciano Alves Meira: “o potencial está à nossa espera“. Dito e feito!

Em resumo, quero deixar algumas ideias que podem ser colocadas em prática:


PARE DE CHAMAR DE EQUILÍBRIO

O próprio conceito de equilíbrio já pressupõe que há um conflito. Logo, olhar para uma vida integral (temos uma só vida com múltiplos aspectos) pode fazer a diferença na hora de valorizar trabalho, família, amigos, atividades de lazer, valores espirituais, sonhos, projetos, etc.


MAIS GESTÃO DE TEMPO E DAS EXPECTATIVAS

Se a “falta de tempo” é um sintoma, a causa provável está na desorganização. Obviamente, planejar (e realizar) sempre será um desafio em um mundo que disputa nossa atenção em meio a telas, notificações, “novidades”, crises, pets… Mas se render à “sociedade do cansaço” de Byung-Chul Han é outra história.

Que tal colocar a tecnologia para trabalhar a seu favor? Há ferramentas para isso. Reduzir as expectativas também pode ser uma solução para lidar com ansiedade e frustrações.


VALORIZE A SAÚDE MENTAL

Admitir que nem sempre estamos 100% não é defeito, é uma questão humana. Uma pesquisa da Mental Health America com quase 10 mil funcionários americanos descobriu que 55% disseram ter medo de tirar um dia de folga do trabalho para cuidar de sua saúde mental.

Precisamos (e devemos) falar mais sobre saúde mental. E saindo do discurso, a prática passa por iniciativas simples como: atividades em família e ao ar livre, buscar o autoconhecimento e não tentar resolver tudo sozinho(a).

Trabalho faz parte da vida

 

 

Enquanto isso, crescem iniciativas como a do projeto The 4-Day Week Global (“quatro dias por semana”, literalmente). Uma jornada de trabalho de quatro dias por semana, sem impacto no salário, que pode ser uma boa aposta. Nesse modelo não temos a rebeldia negligência como no conceito “antiwork”. Pelo contrário, a proposta é fazer o seu melhor em menos tempo, alinhado com as expectativas de todos os envolvidos (empresas e profissionais), sem abrir mão do descanso semanal e dos momentos da vida que nos fazem contar as boas histórias.

Na Mflix Media já temos testado há alguns anos a jornada de quatro dias. Temos expediente na sexta mas é mais leve, é mais humanizado, termina mais cedo. Primeiro porque a diferença de fusos nos obrigou a conciliar os horários e atividades de uma equipe multidisciplinar e global. Sábado e domingo já não tínhamos expediente. E aos poucos, com muita responsabilidade, a sexta-feira vai formando a trinca.

Já é quase um ritual ir com a esposa almoçar a melhor feijoada vegetariana da cidade que só é servida… nas sextas-feiras. Todas as reuniões importantes e assuntos comerciais são tratados até quinta-feira, no máximo até o meio-dia de sexta ou ficam para a próxima semana.

Embora os desafios sejam muitos, especialmente quanto ao futuro do trabalho, todas essas mudanças indicam que as pessoas não estão mais vendo o trabalho como sua vida, mas como um meio de vivê-la. Ou seja, é sobre ter uma vida com qualidade, uma vida com sentido — como já dizia Frankl.


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